Casa e outros mistérios

Eu não tenho casa desde Abril de 2014.

No começo, eu jurava que casa era um lugar. Casa era onde eu podia ficar com meus cachorros tranquilinha. Casa era onde eu podia colocar minha coleção de cadernos, onde eu guardaria todas as coisas que eu gostava, e quando eu saí do Brasil foi minha mala que virou casa. As caixas dos cachorros viraram parte da nossa casa, só por extensão. E eu seguia pelo mundo sonhando com o momento em que teria um lugar só meu pra decorar e viver da forma que eu quisesse de novo.

A vontade de explorar o mundo, no entanto, continuava maior do que a vontade de ter casa.

Com o tempo eu comecei a notar que casa, na verdade, era o que eu fazia dos lugares que vivia. Ter cachorros sempre ajudou, já que eles costumam transformar até um quarto de hostel meio vagabundo de casa. Mesmo em lugares meio sem alma ou personalidade, a gente ainda conseguia transforma-los em casa de alguma forma.

Os anos foram passando e eu comecei a enxergar casa num sentido mais brando. Parei de esperar tanto para ter coisas de novo, coisas materiais mesmo. Parei de pensar em como eu poderia levar aquela caneca linda que eu achei na lojinha de Palermo pra casa. Comecei a entender que casa não era algo físico, mas emocional. Comecei a entender que casa na verdade é uma coisa muito mais interna do que externa.

Por isso a gente diz se sentir em casa. Porque a gente sente a casa na gente.

Tem vezes que o sentimento de casa vem com aconchego. Busco lugares onde alguém viveu, onde histórias boas aconteceram, com memórias penduradas nas paredes, e vidas que você conhece pelos detalhes. Quando eu busco um lugar pra ficar, eu busco esse carinho. Parece que o sentimento de casa de alguns lugares já está flutuando no ar antes mesmo de eu abrir a porta. Ele te abraça, te envolve, te dá uma meia fofinha pra você não passar frio. Você chega e já instantaneamente se sente em casa, porque ali, casa é o amor que escorre dos detalhes.

E tem vezes que isso não importa nem um pouquinho.

Casa também é onde você se sente a vontade pra deitar no sofá e ficar vendo coisas aleatórias no celular sem se preocupar em fazer sala. Casa é quando você se sente à vontade pra ir ali rapidinho lavar a louça de alguém que cozinhou pra você. Casa é saber onde cada coisa fica sem nem pensar direito. É onde você pode abrir os livros da prateleira e ficar perguntando coisas aleatórias sobre aquelas marcações em lápis. Casa é onde você deita de volta na cama depois do café da manhã numa tarde de domingo.

Casa também pode ser muito mais do que quatro paredes. Casa é a sua família conversando até de madrugada falando sobre a vida. Casa é falar das receitas da vó, mandar fotos da sobrinha, rir dos absurdos que todo mundo vive, dar opinião não solicitada só porque você se importa. Casa é conexão com quem a gente ama, sem firulas, sem receios, sem sapatos. Casa deixa de ser casa quando a gente não se sente mais bem vindo – e volta a ser casa quando a gente sente que tem algo de nós ali.

Casa também é um grupo de amigos que você pode contar. Um time de gente que vai correr com você debaixo da chuva, dividir histórias que se misturam com as suas, passar horas juntos criando alguma coisa pra todo mundo curtir ao mesmo tempo. Casa é quando você anda na rua e, por acidente, encontra alguém que você adora, deixando seu dia mais quentinho. Casa é onde você vai pra não fazer nada junto.

Casa também existe dentro da gente. Existe no cuidado com nós mesmos, no que a gente cozinha pra gente, no encontro de sábado a noite entre você, uma taça de vinho e a Netflix. Casa é um sentimento interno de pertencimento. Quando somos quem nós somos, com dancinhas secretas, conversas no espelho e noites de preguiça sem querer tomar banho, estamos em casa. Casa é pra onde a gente quer correr quando bate aquela vontade de fugir de tudo.

Casa é muito mais do que um lugar, casa é um sentimento.

Quando você olhar pra alguém e pensar “você é casa”, acredite. Porque casa é isso mesmo.

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